A PESCA E A IDENTIDADE DO PESCADOR: PARA ALÉM DOS ESTEREÓTIPOS

PAULO FALCÃO

“…a impaciência também tem seus direitos”.² 

As frases a seguir são comuns quando eu digo para as pessoas que gosto de pescar: “Como você tem paciência para pescar? Ficar esperando o peixe morder a isca”; “Você é tão jovem para gostar de pescar; Ah, isso é história de pescador – mentiroso!”. A partir dessas afirmações e de muitas situações carregadas de “saberes” sobre a pesca e o perfil do/a pescador/a, o presente artigo tem a pretensão de problematizar os estereótipos que se tornaram sinônimos consumados e, frequentemente, são atrelados a modalidade e aos seus adeptos.

A palavra estereótipo vem do grego stereos e typos que outrora significava “impressão solida”. Atualmente, conceitua-se estereótipo – nos mais amplos termos – como a generalização a partir de adjetivo(s) (seja positivo ou negativo) acerca de determinado grupo social, comportamento, cultura, identidade, ou seja, o (“saber”) estigmatizado sobre algo e/ou alguém que não corresponde com a realidade. Por exemplo: japonês = criativo; baiano = preguiçoso; português = burro. O pescador = paciente, velho, exagerado, mentiroso, etc.

A paciência é essencial às relações humanas, necessária para o bom desenvolvimento das atividades profissionais e é primordial para enfrentar as adversidades da vida. Porém, faz-se necessário rever a aplicação do termo e, consequentemente, romper com a visão estereotipada no que tange a pesca. Infelizmente, no âmbito da pesca a paciência tem sido relacionada com a capacidade de suportar o tédio e a monotonia, pois partem do pressuposto que a modalidade é em si maçante e monótona. Portanto, tal perspectiva compreende que o/a pescador/a deverá ter a paciência aflorada para suportar tal ambiente.

No entanto, a pesca amadora com iscas artificiais desfaz totalmente com a idéia do senso comum em relação à paciência do pescador. Na verdade, tal modalidade exige do praticante extremo dinamismo, boa capacidade física, conhecimento aprofundado sobre as condições climáticas e treinamento técnico constante. Além disso, tal atividade ocorre de modo artístico, emocionante e é desenvolvida em plena natureza selvagem.

Provavelmente, a frase “Isso é história de pescador” já tenha sido utilizada durante uma conversa quando o interlocutor, seja ele adepto da pesca ou não, contou uma história considerada “absurda” para os ouvintes. Assim como, é comum a utilização dessa expressão quando o pescador conta as suas façanhas para alguém. História de pescador tornou-se expressão popular que denota de forma explícita a desconfiança frente à veracidade dos argumentos expostos. Independente do contexto e do assunto, a narrativa pode ser julgada e/ou classificada como uma bela História de pescador. Sendo assim, o termo pescador e a condição de pescador tornaram-se sinônimos de mentira – de exagero.

Dessa forma, pode-se pensar: será que todo pescador é mentiroso? Será que toda história de pesca está incutida de mentiras ou distorções? Penso que tal atribuição surge a partir da complexidade da modalidade a qual, somada à falta de conhecimento das pessoas sobre as técnicas de pesca, resultam na desconfiança em relação às capturas (quantidade e tamanho) dos verdadeiros pescadores.

A questão sobre a idade ideal do pescador oferece a possibilidade de reflexão para além do esperado, pois, neste caso, estaremos a pensar o perfil do pescador. Ao constituir o perfil hegemônico do pescador¹ é bem provável que todos aqueles que não estejam de acordo com o padrão e se atrevam a aderir à modalidade enfrentarão inúmeros preconceitos. Diante esse emaranhado de preconceitos pode-se afirmar que dependendo do sujeito haverá outros agravantes, ou seja, múltiplos conceitos articulados sobre o “ser” que afetarão o “fazer”. Já é difícil entender a participação/adesão dos jovens na pesca, imagina os desafios que enfrentarão as mulheres ao se arriscarem na modalidade.

Diante desse contexto, penso a pesca como um espaço significativo para as interações entre homens e mulheres, ao necessário encontro de gerações, sendo o ambiente ideal para dialogar, contar histórias e oportunidade rara para admirar a natureza selvagem. Independente da modalidade, a pesca não apresenta nenhum entrave ou classificação para quem deseja praticá-la. Por fim, recomendo aos desconhecedores das possibilidades da pesca e que costumam (re)afirmar os estereótipos sobre a modalidade e aos pescadores/as, o vídeo THE BEST WORLD OF FISHING – Link: http://www.professordepesca.com.br/videos

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¹ Perfil Hegemônico – refere-se a um homem adulto.

² Frase retirada do Livro  “Lavoura Arcaica” de Raduan Nassar – Companhia das Letras.

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