ALGUNS DIZEM QUE É SORTE.

PAULO FALCÃO

O vento em direção avessa a maré, que abarcava o mangue, dificultava o enfrentamento das ondas e agitava incansavelmente as resistentes folhas das árvores. A água turva e as apressadas nuvens acinzentadas anunciavam as dificuldades a serem enfrentadas nessa pescaria. O impiedoso tempo nos afrontava.

O desafio do arremesso, a magia de trabalhar a isca artificial, explorar os seus movimentos e a esperança de pegar um peixe caracterizam, de fato, uma sensação maravilhosa. Por um instante, esqueço-me da chuva fina que nos acompanha, esqueço-me do frio, sinto prazer nesta situação adversa e, especialmente, compreendo a pesca como pura arte.

Arremesso a isca artificial rente à margem, o mais próximo possível, delicadamente encosta numa folha que toca a água, uma caída suave: apresentação perfeita. Neste momento de expectativa, realizo o trabalho de ponta de vara com carinho e o stick nada de modo provocante através dos promissores galhos submersos. Após alguns toques, o ardiloso peixe com o seu sumo prateado reboja forte na isca, mas erra o ataque, ou, quis simplesmente assustá-la, não sei. Continuo com o trabalho, mas ele não volta.

Num dia árduo como este, a chance dele voltar é pequena. Afinal, assim como em algumas situações da vida, nem sempre temos outra oportunidade. Mas, arremesso com muito entusiasmo e quando a isca passa pela estrutura, o desejado peixe ataca com ferocidade o stick. O ataque do Robalo Flecha, independente do tamanho, é inconfundível e suas arrancadas caracterizam o seu nome.

                               

Entre as inúmeras tentativas e possibilidades, é engraçado pensar que a menos provável provocou os primeiros sorrisos. É difícil explicar, pois tal decisão foi fruto de muitos anos de pescaria; a experiência acumulada decisiva nos momentos mais complexos da pesca. Alguns dizem que é sorte. No entanto, acreditava que aquela pequena isca poderia fazer a diferença e, nesse caso, fez.¹

Nesse inestimável átimo de intensa alegria, senti a adrenalina aquecer cada parte do meu corpo. E, a partir dessa incrível disputa, tudo que poderia me afetar foi deixado para trás. Eu estava imerso em sentimentos raros, e sabia que deveria aproveitá-los, e sabia que tal momento passaria, e sabia o quanto deveria ser grato com aquele episódio que ficará para sempre guardado em meu coração.

“[…] toda a vida se desfaz, sobram só minha alma, minhas lembranças, os sons da natureza e a esperança de pegar um peixe”.²

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¹ – Robalo Flecha capturado na região de Iguape.
² – Trecho retirado do filme – Nada é pra sempre.

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