O SILÊNCIO DAS ÁGUAS DO VELHO CHICO

PAULO FALCÃO

O imprevisível é a marca registrada na vida do pescador, pois é impossível prever com exatidão os acontecimentos de uma pescaria. Para além da leitura climática, da escolha correta dos equipamentos e de tudo que possa contribuir com boas capturas, existem questões inexplicáveis que influenciam o (“êxito”) dos pescadores. Ressalto o termo êxito entre aspas e entre parênteses, ao considerar a oportunidade de pescar e usufruir da natureza como uma primorosa conquista.

Neste contexto incerto, a única certeza dos pescadores: a esperança fluída de um peixe. Como bem disse o poeta do drama  “Nada É Para Sempre” (1992), de Norman Maclean: “quando estou sozinho à meia luz do desfiladeiro, toda a vida se desfaz, sobram só a minha alma, minhas lembranças, os sons da natureza e a esperança de pegar um peixe”.

Apesar de toda inevitável imprevisibilidade proveniente desta prática, senti, nesta expedição, uma energia diferente de todas as minhas pescarias. É difícil transcrever as emoções, as sensações; desse modo, este texto torna-se injusto ao que vivi. Por outro lado, o contato poético com o Velho Chico – o famoso e charmoso rio – foi uma experiência incrível e será para sempre cultivado em minha memória.

Existe um abismo entre os devaneios que precedem a pescaria com a prática em si. Aí está à magia da pesca, porque nem sempre encontramos as situações almejadas. Assim como, não capturamos o peixe desejado e do tamanho cobiçado. A quantidade de peixes é outro fator imperativo da avaliação de muitos pescadores. O pescador quer sempre o mais e o maior.

Ao navegar as águas do velho Chico, perdi os pensamentos na fluidez dos peixes e a cada arremesso, a nova expectativa de poder trazê-los à tona, o peixe e o pensamento. Diferente da pescaria anterior no Sul de Sergipe que almejava o robalo de dois dígitos, dessa vez, não pensava em nenhuma espécie específica, queria pescar, aproveitar os momentos e, quem sabe, capturar bons exemplares.

O primeiro dia foi a contemplação dos sonhos do pescador e amigo carioca Vinícius Saraiva. Ele enfrentou o seu maior robalo flecha. Em poucas palavras:uma disputa épica! Além do troféu prateado, nós tivemos a sorte de encontrar um cardume de bons flechas, uma linda caranha e pequenos xaréus amarelos.

O sabor da carne de sol lentamente desmanchava em nossas bocas enquanto navegávamos em busca dos robalos, mas dessa vez no pincho. E com as orientações do capitão e amigo Thiago Moraes¹, divertimo-nos com a captura de pequenos flechas nos meandros do mangue com as iscas de superfície e, ao término do dia, capturei um lindo trickão² com o jighead.

A margem do rio tem um diálogo misterioso à noite: a vida, até então calada, manifesta-se sob a luz azul e delicada das distantes estrelas. A natureza se refaz na suave e necessária escuridão. A maré permanece em sua incansável condição. Os devaneios assumem o comando de prelúdios ambicionados ao por vir. Cala-se a ansiedade. Modificam-se as percepções. E a vida descansa ao sabor das imagens incontroláveis dos sonhos.  

A adversidade confronta de forma minuciosa a concentração do pescador: a vontade singular é superada rapidamente pelo poder plural da natureza. No segundo dia da pescaria encontramos uma condição de pesca totalmente diferente: nas primeiras horas tivemos poucas ações e, mais uma vez, o silêncio derivava de uma maré irritada. No entanto, permanecíamos firmes na incansável procura dos peixes. Persistir é um verbo interiorizado na vida do pescador desde a mais tenra idade.

O silêncio me fez pensar o quanto deveria ser grato por estar imerso aos encantos do rio ainda preservado, mesmo que ameaçado devido os avanços nocivos do “progresso” (des)humano. Fez-me pensar a fragilidade de todas as técnicas acumuladas frente ao rigor imprevisível da maré. E, neste instante de gratidão e ponderação, o Velho Chico me ensinou que pescar é estar sensível ao ritmo velado do rio, sensível ao fluir de suas águas.

Lembro-me de arremessar de forma simples e despretensiosa, sem pensar ou tentar justificar tal ato. O estado pleno de contemplação, como se estivesse sozinho, é inexplicável, mas crescia em mim a certeza de ser presenteado. E foi nessa conexão absoluta e respeitosa que senti a batida do peixe. Num momento final da vazante, encarei um belo xaréu amarelo. A força desse peixe faz jus ao seu merecido apelido – Trator Sergipano – pois em poucos segundos ele tomou dezenas de metros de linha da carretilha.

O sol poente trouxe o silêncio novamente. Os olhares direcionados ao horizonte buscavam encontrar coisas escondidas numa natureza exuberante. Os reflexos dourados na água contemplavam os instantes singulares e revelavam cores de uma estética preservada. A energia esgotada revitalizava-se. Os laços fortalecidos e a certeza de estar entre amigos para compartilhar os sentimentos encerravam-se sob o abraço acalorado das correntes salgadas do Velho Chico.
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1- Thiago Moraes – é capitão da equipe Sergipe Sport Fishing – para mais informações acesse o site www.sergipesportfishing.com.br
2- Um lindo Trickão – termo utilizado de forma irônica no nordeste para afirmar que lá o robalo intermediário (2kg até 4kg) é considerado um peixe muito pequeno – trick.
– Agradeço ao Prof. Lucas Emanoel Soares Meira pela revisão do texto e os valiosos comentários.  
Vídeo da pescaria: https://www.youtube.com/watch?v=hixUEqr2jrQ
Equipamentos utilizados:
– Carretilhas de perfil baixo – Varas Customizadas pelo parceiro Renato Badejo da oficina de pesca Miraguaia Custom&Service.
– Varas: Blank Hearty Rise 22 libras 6’5 para Jighead – Blank Hearty Rise modelo Evolution de 12 libras 6’3″ para hardbait (plug);
Iscas Artificiais: plugs diversos (superfície e meia água) e Camarão Flex 
www.camaraoflex.com.br

 

 

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