SAUDOSISMO OU FATO CONSUMADO? A PESCA EM ESTADO DE XEQUE!

PAULO FALCÃO

Havia uma magia naquele momento, uma espécie de conexão que envolvia todos de um modo muito especial; é difícil explicar tal sentimento, no entanto, eu consigo lembrar os detalhes de cada encontro, em particular, os brilhos nos olhares, as falas entusiasmadas e das risadas largadas. Eu cresci numa família de muitos pescadores, logo, os encontros familiares eram caracterizados por momentos magníficos – que era o de compartilhar histórias.

Narrativas fantásticas que eram contadas e recontadas a cada encontro familiar: o peixe que escapou (que seria segundo o autor o maior da pescaria), o local perfeito que resultou em muitas capturas, a façanha do maior peixe, a linha que não aguentou, o anzol que abriu e a terrível chuva que atrapalhou, entre outras. Eu sempre ficava na expectativa para um próximo encontro familiar para poder ouvir novas e velhas histórias, que eram sempre repletas de muitos peixes.

Durante a minha trajetória enquanto pescador eu pude, desde a mais tenra idade, ouvir muitas histórias de pesca, contar algumas e, neste ínterim, percebi que tais momentos passaram a assumir um caráter saudosista. As expressões “Bons tempos” e “Velhos tempos” começaram a ser comuns durante as rodas de conversas na minha família e também quando eu conversava com os amigos pescadores mais velhos. Logo, passei a pensar: puro saudosismo ou fato consumado? A pesca estaria em xeque? Um possível xeque mate?

O termo saudosismo é definido pelo dicionário Aurélio¹ como: “gosto do passado, com tendência para o superestimar” (pág.727). Ou seja, saudades de um tempo melhor. É interessante destacar que tal perspectiva emanava dos olhos, nas falas dos amigos e dos familiares pescadores ao contarem as suas histórias. Acredito que se eles pudessem pediriam: […] “Ó tempo, volta para trás no seu vôo, faz-me criança novamente só por esta noite”².

Outra característica comum é que as histórias eram repletas de muitos peixes (mais e maiores) e realizadas com equipamentos precários: varas de bambu, linhadas de mão, molinetes enormes, pesados e lentos ressaltavam nas histórias as dificuldades da prática da pesca, porém, ao mesmo tempo, engradeciam as pescarias consideradas memoráveis. Tornou-se muito comum ouvir as inevitáveis comparações: “Hoje os equipamentos facilitam a vida do pescador”; “Na minha época era mais difícil”.

É fato que atualmente os pescadores usufruem, a partir dos avanços tecnológicos, “os bons tempos” da pesca no que tange a quantidade e qualidade dos materiais oferecidos pelo mercado. A tecnologia tem facilitado à vida dos pescadores. Por outro lado, os mesmos sofrem e enfrentam o desafio que é a escassez de peixes.

Para além de um possível (“saudosismo hiperestimado”), é fato consumado que a quantidade de peixes diminuiu consideravelmente no território nacional. Basta observar a situação do Pantanal Mato-Grossense, o “desaparecimento” dos dourados de muitos rios do interior paulista, do inexplicável e lamentável colapso do Black Bass no sistema Cantareira, dos dados apresentados pelo IBAMA³ (2010) acerca da redução do tamanho médio dos tucunarés (de 39 cm para 36 cm) e a diminuição da captura dos peixes grandes, as matrizes – comprimento superior a 53 cm – da região da Serra da Mesa – GO.

A pesca está em xeque! É neste momento difícil do jogo que os pescadores precisam pensar e, principalmente, analisar novas e boas possibilidades, pois caso contrário, nós sofreremos um catastrófico xeque-mate. Penso que mais do que nunca necessitamos de uma mudança radical de consciência frente à relação do homem com a natureza – precisamos sair da postura do pescador-explorador-caçador para a posição do pescador-preservador-educador. Ainda há tempo para salvarmos o principal personagem de nossas histórias – O PEIXE – para que possamos (re) contar novas histórias para as crianças e, consequentemente, cultivarmos os preciosos momentos entre amigos/familiares que a pesca nos oferece.
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¹ – Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7 ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2008.
² – Trecho retirado do Filme “NADA É PARA SEMPRE” de Robert Redford – 1992.
³ – Pesquisa publicada no site da Anepe: http://www.anepe.org.br/index.php/fique-por-dentro/pesquisas/116-nota-tamanho-maximo

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